Por que não estamos falando sobre planejamento familiar na Bahia?

Save Print

April 10, 2024 4:41 pm EDT

Por Milena Brito, médica ginecologista, mestre e doutora pela FMRP-USP

Planejamento reprodutivo é questão de saúde pública. E, o acesso a métodos contraceptivos eficazes e que correspondam às necessidades de cada uma das mulheres deveria ser prioridade das agendas. É urgente, mas, então, por que não estamos falando mais sobre esse tema? Para além disso, por que as políticas públicas voltadas para evitar essas gravidezes não planejadas ainda caminham a passos tão lentos no Brasil? País onde, em média, 1,8 milhão (55,4%) de todos os nascimentos não são programados. ¹ 

Segundo o Fundo da População da ONU no Brasil (UNFPA), estão entre as principais razões da gravidez não planejada, o baixo acesso a métodos contraceptivos seguros e modernos — com apenas 58% das brasileiras usando-os continuamente, como mostra um levantamento feito pelo Instituto Ipsos a pedido da Organon — e a incapacidade de recusar relações sexuais, seja por questões culturais ou por diferentes graus de violência.²

Quando falamos em planejamento familiar, não podemos deixar de destacar a importância dos métodos contraceptivos reversíveis de longa ação (LARCs, do inglês long-acting reversible contraceptives), pois dispensam, após o período de adaptação, a presença constante na unidade de saúde. No Brasil, temos o dispositivo intrauterino (DIU) com cobre e o liberador de levonorgestrel, e o implante subdérmico de etonogestrel, todos com alta taxa de eficácia, totalmente reversíveis, poucas contraindicações e efeitos adversos. Em regiões de difícil acesso, esses métodos são cruciais para assegurar os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, meninas e adolescentes.

Para se ter noção da lacuna grave a ser preenchida na Bahia que, segundo o IBGE, conta com 7,3 milhões de mulheres (53% dos habitantes do estado)³, apenas 5 mil receberam LARCs pelo SUS nos últimos três anos (2019 a 2023), de acordo com o DATASUS4. Sobre o implante de etonogestrel, a prefeitura de Salvador conta há um ano com o projeto Dandara, que implantou o método em 226 mulheres até março de 2024.

A realidade se agrava ainda mais quando falamos em gravidez na adolescência. O estado registrou, nos últimos 10 anos, 403 mil partos de meninas entre 10 e 19 anos, o equivalente a 23% do total no estado nesse período (2,1 milhões).4 O Brasil ocupa o 2º lugar entre países da América e Caribe em gravidez de adolescentes. Aqui, a taxa é de 66,5 bebês por 1.000 meninas entre 14 e 19 anos, segundo dados da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS).5 Números bem mais altos que países desenvolvidos como França (6) e Alemanha (8), ou mesmo de nações em desenvolvimento como Índia (28) e Rússia (27). 6 

Entre os desafios enfrentados no estado, podemos destacar a burocracia para o acesso aos serviços de planejamento familiar, além da falta de capacitação de profissionais de saúde para orientação, inserção e o manejo de eventos adversos, e os mitos propagados pela população que causam medo, insegurança e atrapalham a adesão.

Esses números são tristes. Poderia afirmar que cruéis. O estado que tem a capital do Brasil com maior proporção populacional de mulheres (54,4%)7, conhecido por suas belezas naturais e rica cultura, enfrenta desafios preocupantes: altos índices de gravidez na adolescência e mortalidade materna. Nos últimos 10 anos, aproximadamente 25% dos nascimentos ocorreram entre adolescentes na Bahia, enquanto a taxa de mortalidade materna atingiu 64 óbitos para cada 100 mil nascidos vivos, superando a média nacional (57,9). Em contraste com o Distrito Federal (21,2) e Santa Catarina (30,6), que apresentam índices muito menores. 8

É fundamental oferecer mais atenção, cuidado, dignidade e respeito. Elas merecem decidir sobre seus futuros. Todas nós merecemos.

Referências

1: UNFPA Brasil: https://brazil.unfpa.org/pt-br/publications/situacao-da-populacao-mundial-2022

2: Estudo IPSOS: https://www.metropoles.com/saude/brasileiras-uso-contraceptivos-estudo

3 e 7 : Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2023/10/27/salvador-e-a-capital-do-brasil-com-maior-proporcao-de-mulheres-diz-ibge.ghtml

4: DATASUS, acessado em 9 de abril de 2024: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sinasc/cnv/nvuf.def

5: OPAS, Organização Pan-Americana de Saúde:  https://www.estadao.com.br/emais/carolina-delboni/somos-o-2o-pais-com-as-maiores-taxas-de-gravidez-na-adolescencia

6: UNFPA Basil: %20UNFPA%20Brasil:%20https:/brazil.unfpa.org/pt-br/news/brasil-tem-s%C3%A9tima-maior-taxa-de-gravidez-adolescente-da-am%C3%A9rica-do-sul

8: Boletim Epidemiológico Ministério da Saúde: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/epidemiologicos/edicoes/2021/boletim_epidemiologico_svs_29.pdf/vive